maré
O surfista só estava tirando onda. Mas ela era muita areia pra ele. Tudo foi por água abaixo. Aquele amor morreu na praia.
O surfista só estava tirando onda. Mas ela era muita areia pra ele. Tudo foi por água abaixo. Aquele amor morreu na praia.
O sorveteiro era um homem frio. Uma vez, derreteu-se por uma moça magra como palito. Ela não lhe deu bola. Seu coração congelou para sempre.
O jornaleiro queria ser revistado por uma mulher. Vestiu uma capa sem nada por baixo. Ficou esgotado. Era apenas um encalhe.
O trocador resolveu cobrar. Não queria mais um namoro de passagem. Ela deu o troco. Foi uma viagem sem volta. Nem bilhete ela deixou.
O padeiro nutria um sonho. Carolina era mesmo um doce. Mas tudo durou uma brevidade. Foi trocado por gabriela. Concluiu que o motivo era ser pão-duro.
Quando recebeu a carta, não concordou com nenhuma linha. Tentou traçar paralelos. Seu desespero se elevou ao último grau. O geógrafo estava totalmente perdido.
O pedicuro era um homem com os pés no chão. Seu olho de peixe tinha uma visão rasteira das coisas. Um dia, deu um passo em falso e pisou na lama. Teve uma queda mortal.
O farmacêutico tinha uma vida remediada. Seu orçamento estava muito comprimido. Precisava de uma injeção de ânimo. Não aguentou os efeitos colaterais.
A barista só tinha relacionamentos expressos. Não filtrava nada. Foi ficando amarga e fria. De grão em grão, reduziu-se a pó.
A lavadeira nunca chutava o balde. Quando viu a mancha, virou um tanque de guerra. Torceu o pescoço e mandou tudo pro ralo. Sua honra estava lavada com sangue.
Pereira não quis fincar raízes. A situação era apenas um quebra-galho. Quando leu, a folha caiu. Tudo estava podre.
A quituteira não era uma mulher bem fornida. Faltava-lhe mais sal. Um dia, resolveu ser mais picante. Ficou queimada para sempre.
O pizzaiolo derreteu-se todo. Ela, muito grossa, desceu-lhe a lenha. Seus nervos fermentaram. Cortou-a em oito pedaços.
O montador de palavras cruzadas não sabia resolver nada na vida. Vários espaços estavam em branco. Quis tirar isso de letra. Não havia resposta no final.
A telefonista não ligava pra nada. Sua desculpa era ser muito ocupada. Quando precisou, não foi atendida.
Paulo estava esgotado. Nada era privado no banheiro público. Um dia mandou a paciência água abaixo. Nunca mais faria esse papel.
O operador de xerox era um homem autêntico e original. Um dia, quis ampliar os horizontes. Reduziu-se a uma mera cópia de tudo.
A cozinheira mantinha a relação em banho-maria. Quando descobriu, o sangue ferveu. Nunca mais punha a mão no fogo por ninguém.
O calígrafo escrevia convites comemorativos. Sempre errava as datas. Seu velório foi o único dia que ele acertou.
Teresa cuidava muito bem do jardim. As plantas sempre recebiam adubo da melhor qualidade. Não esperou que as folhas murchassem. Enterrou-se.
Paulo tinha um cano vazando. Choraram juntos. Tentou entrar dentro dele, mas a água foi mais forte.
Adalberto fazia seus próprios cabides. Nunca pendurou roupa de mulher. Despiu qualquer uma. Guardou a pele como lembrança.
O mendigo queria ter uma vida frugal. Ganhou um sabonete de limão. Espumou de ódio. Morreu pela boca.
Margarida fabricava guarda-chuvas. Quando precisou, usou as próprias costelas pra se proteger. Uma chuva de sangue a molhou.
Renato trabalhava de sol a sol consertando relógios. Suas horas vagas giravam no sentido anti-horário. Parou no tempo. Não souberam precisar a hora correta de sua morte.
Traía o marido com o leiteiro. Ficou grávida. Não sabia quem era o pai. Só tinha a certeza que o filho seria mamífero.
Jair era vidraceiro. Levava uma vida transparente. Um dia, não gostou do que viu. Usou a janela como guilhotina.
Geraldo vendia ovos. Resolveu nascer. Se fechou numa cápsula de cal. Não houve galinha grande o suficiente para chocá-lo.
Vitória Aparecida nasceu prematura e abaixo do peso, parto complicado. Icterícia, primeiros dias na incubadora. Na infância sofreu de bronquite. Muito jovem teve pressão alta. Um câncer extirpou-lhe o útero. Reumatismo. Perna amputada. Na velhice foi para um asilo. Teve a morte que sempre sonhou. Dormindo.